quinta-feira, 13 de dezembro de 2007

TV digital vai demorar para pegar

ALAOR FILHO/AE
SEM PRESSA NENHUMA - Pelo cronograma oficial, a emissora de Boni, a TV Vanguarda, deve estrear em digital apenas daqui a dois anos. “E espero que demore ainda mais”, diz

56 anos na televisão, Boni diz que novo sistema estará fora do alcance da maioria dos brasileiros e sugere calma

Rodrigo Martins

Ele não tem pressa. Com a TV digital às portas da estréia, no próximo domingo inicialmente apenas em São Paulo, José Bonifácio de Oliveira Sobrinho, o Boni, como é unanimemente conhecido no métier televisivo, sugere calma e desdenha das tão propagadas inovações do novo sistema.

Interatividade, alta definição, som surround.... “Ah, tudo isso vai demorar uns 30 anos para pegar de fato no Brasil. Os equipamentos são muito caros. Estão é fazendo propaganda enganosa para convencer as pessoas a aderirem”, afirma.
Boni é o que se pode chamar de enciclopédia viva da televisão brasileira. Há 56 anos, quando a TV por estas bandas ainda era um bebê de dois anos, ele já estava na TV Tupi. Ao chegarem as cores, em 1972, era o manda-chuva da Rede Globo e foi o responsável por aposentar o branco e preto na maior emissora do País. Agora, com a TV digital, ele assiste às mudanças na confortável posição de dono de canal no interior paulista, a TV Vanguarda, uma afiliada da Rede Globo no Vale do Paraíba.

“Não terei de me preocupar com esse assunto por pelo menos dois anos. E espero que demore ainda mais”, diz, aliviado, referindo-se ao cronograma oficial de implementação do novo sistema no País, que contempla, na primeira fase, as capitais. Só depois virá o interior.

Ao contrário do que possa parecer, Boni não é um saudosista. Está, sim, superantenado com as novidades da TV digital. Já viajou para EUA, Europa e Japão para ver o que se produz por lá e está montando uma nova sede para sua emissora, toda preparada para captar em alta definição. Mas o que pega mesmo, diz, é que tanta falácia e dinheiro gasto para produzir imagens de cair o queixo não irá chegar à maioria das pessoas.

“O Brasil tem cerca de 50 milhões de televisores. Na época em que a TV em branco e preto virou colorida, havia um estímulo óbvio, que era ver as imagens em cores, uma coisa inédita”, diz. “E agora? Quem terá R$ 6 mil, mais R$ 800 do conversor, para comprar uma TV em alta definição? A maioria não vai se ligar nisso. O importante para eles é ver a novela, e pronto. Quem irá aproveitar a alta definição será uma minoria de 3% que tem dinheiro no País.”

Boni vai mais fundo. Arrisca-se até a dar um conselho a quem está em dúvida se compra ou não um conversor de TV digital. “Na estréia, não vai ter interatividade, poucos programas serão em alta definição e com som surround... Quer saber? Se o sinal de TV pega bem em sua casa, é melhor ficar do jeito que está, pois você não perderá nada.”

Mesmo assim, Boni vê a atual transição como necessária. Segundo ele, os equipamentos que as emissoras usam hoje para transmitir no sistema analógico já custam o mesmo que os do futuro sistema digital. “É preciso se atualizar. Para que gastar o mesmo com equipamentos defasados? A televisão ainda irá passar por outras transformações como essa no futuro. É uma coisa cíclica.”

Ao mesmo tempo, Boni se diz preocupado com o impacto que essas mudanças podem trazer. O primeiro deles, apontado por ele como positivo, é que as emissoras terão de se profissionalizar cada vez mais, em detrimento de muitos improvisos praticados hoje. “Cenários com remendos, iluminação sem planejamento, tudo isso terá de ser revisto.”

Historicamente, lembra, cada mudança que a TV sofreu nesses 58 anos de operação no País forçou a maior profissionalização. A Boni, por exemplo, é creditada a criação do famoso “Padrão Globo de Qualidade”, que fez as demais emissoras correrem atrás do prejuízo para tentar se igualar à líder – vide o atual exemplo da Record.

“A cada alteração, cresce o número de profissionais envolvidos, os cuidados técnicos, o dinheiro envolvido... A tecnologia exige isso”, diz. “Hoje, por exemplo, o complexo de produção das emissoras é gigantesco, com milhares de funcionários. Por outro lado, o prédio da TV Paulista (comprada pela Globo em 1965), onde trabalhei no começo da carreira, transformou-se em uma tinturaria, de tão pequeno que era.”

Mas, junto com essa profissionalização, Boni alerta para a necessidade de focar na criatividade. Ele diz que, até agora, ouviu muito falar sobre os avanços técnicos na área de imagem, som, etc., mas não sobre como toda essa mudança pode impactar no conteúdo que se vê na tela dos televisores.

“O meu medo é que a preocupação fique apenas nos aspectos tecnológicos e se perca o foco no mais importante, que é o que se leva aos telespectadores”, diz. E lembra: “Quando ainda tínhamos a TV em branco e preto, me disseram na TV Paulista: ‘Não adianta ter uma produção caríssima se o conteúdo for ruim. Se for bom, pode ser até filmado com uma câmera só, com um apresentador lendo um livro, que o público não muda de canal. Viu? A tecnologia não é tudo.”

Fonte: Link.estadao

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