segunda-feira, 17 de dezembro de 2007

TV Digital chegou, mas o que de fato mudou?

Cuidado é preciso antes de aderir à nova tecnologia, entenda.

Por Marcel Frota

Na noite do dia 2 de dezembro nasceu uma nova televisão. Isso não significa que a sua televisão morreu, mas vai morrer. Naquela noite, com direito a discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, começaram as transmissões da TV Digital, ferramenta que, segundo especialistas, vai criar um novo padrão quando o assunto for ver televisão. De imediato, pouca coisa muda, até porque, o sistema digital só funciona na cidade de São Paulo. Além disso, nenhuma emissora desenvolveu programação interativa, que é um dos maiores diferenciais da novidade. O grande impacto, por enquanto, está na qualidade de som e imagem.

Não se trata apenas de melhora quase imperceptível. Quem tem televisão com a antiga anteninha acoplada e sofre para achar uma posição dela que alie boa imagem e som vai parar de sofrer e até abandonar o folclórico pedacinho de palha de aço, cuja contribuição é duvidosa, mas muito freqüentemente usado. Com o adaptador para o novo padrão, som e imagem terão qualidade digital - ver a novela, ou o jornal, vai ser como assistir a um DVD. Morreu a antena. E a TV analógica morre em 2016, ano em que as transmissões nesse padrão serão cessadas e aí, para assistir televisão, só mesmo digital. O prazo foi estabelecido pelo governo federal para que a população tivesse tempo de se adaptar. Afinal, a União não queria que todos tivessem de comprar aparelhos televisores novos de um dia para o outro, pois seria um desastre sob vários aspectos, até do ponto de vista político.

Por isso, fez acordo com a indústria para a fabricação dos adaptadores, naquilo que, a priori, parece outro tiro no pé, já que muitos casos o conversor sai mais caro que uma televisão novinha - os preços do aparelho adaptador variam atualmente entre R$ 500 e R$ 1.100. "A indústria teve um prazo muito curto para lançar os equipamentos, apenas um ano para começar a lançar as unidades conversoras", aposta Fabbryccio Cardoso, pesquisador da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Mesmo assim, há muita gente que se apressou em comprá-lo para aproveitar desde já os primeiros benefícios da TV Digital. Mas antes de sair atrás de um conversor tome cuidado. A pressa em usufruir da qualidade da TV Digital esbarra em um problema.

O software utilizado para colocar em prática a interatividade ainda é alvo de desconfiança por parte de setores industriais. O Ginga, desenvolvido por pesquisadores brasileiros, com destaque especial para o trabalho liderado por pesquisadores ligados à UFPB (Universidade Federal da Paraíba) e à PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro), não foi instalado em muitos conversores vendidos. Isso significa que, quando as emissoras começarem a produzir programação interativa, será necessário um novo conversor, ou seja, mais gastos para o consumidor. Preste atenção na hora de comprar o aparelho e verifique se ele vem com o Ginga instalado.

"Acredito que se o mercado está cauteloso é que não se acredita num primeiro momento que as emissoras vão disponibilizar serviços interativos. E aí, para que você vai investir em um produto que vai ficar mais caro ainda?", declarou Cardoso. Mas o pesquisador Marcelo Zuffo, pesquisador do laboratório de sistemas integráveis da USP (Universidade de São Paulo), fez uma crítica mais incisiva em relação à desconfiança com o Ginga. "O setor industrial brasileiro não tem uma vocação de inovação. Há cinco séculos o Brasil é extrativista. O grande desafio é porque trata-se de um processo de inovação sem precedentes. Há um mercado que deve ser explorado, mas trazendo-se tecnologia de fora. O grande debate com a indústria é incutir nela uma mentalidade de inovação", disse Zuffo.

Padrão Nacional

O padrão de TV Digital adotado pelo Brasil é considerado um dos mais modernos do mundo. Ele foi baseado no padrão japonês, mas atualizado. Quando se fala em padrão de TV Digital, grosso modo, refere-se a três coisas: compressão, modulação e interatividade. "O que foi adotado do padrão japonês, o que não significa o padrão japonês, é a tecnologia de modulação e transmissão de sinais. Por uma razão histórica muito clara: trata-se do último sistema e o mais avançado. O Brasil seguiu a trajetória histórica de acompanhar a evolução e tomou uma decisão acertada porque temos aqui uma situação de precariedade de infra-estrutura de transmissão e recepção", explica Zuffo.

A modulação está associada à transmissão do sinal, que nesse caso é igual ao modelo japonês, e a interatividade com o software usado para essa interface, no nosso caso, o Ginga. A compressão diz respeito à forma como a mídia será comprimida para ser transmitida. No outros padrões, como o dos Estados Unidos e Europa, o padrão de compressão utilizado é o MP2. No nosso, o padrão é o MP4, mais especificamente o H264, que comprime 3 vezes mais do que o MP2, mas mantém a mesma qualidade de som e imagem.

Esse é o grande diferencial do padrão brasileiro. "O nosso sistema é o mais avançado nesse aspecto porque é o único que permite multiprogramação em alta definição", diz Cardoso. Essa "economia de espaço" significa que haverá lugar para mais canais, o que hoje é um problema no sistema aberto analógico. Por isso, Zuffo aposta que em cerca de dez anos poderá haver devolução de canais. "É necessária a criação de proposta de como esse espectro será ocupado", afirma ele. Ele diz que existirão mais canais e mais programas dentro destes. "Haverá uma ampliação da oferta que deve ser pensada e racionalizada, inclusive dentro de um novo marco regulatório. O conceito de ter vários programas transmitidos no mesmo canal é uma mudança de paradigma tecnológico", disse o pesquisador da USP.

Para Zuffo, mais diversidade de programação assume relevância no momento em que a sociedade critica o conteúdo da TV. Esse cenário pode inclusive abrir espaço no espectro para canais universitários, hoje restritos aos poucos privilegiados que possuem TV a cabo. A TV passa a ser interativa e móvel. "Ninguém fala isso explicitamente, mas o celular será um tipo de dispositivo televisivo com a interatividade implícita. Você pode mandar um torpedo para a sua emissora."

EaD

Apesar da descrença de alguns setores sobre a eficiência da TV Digital como ferramenta de ensino a distância, o governo aposta nela como grande instrumento de evolução para EaD. Prova disso é que o Ministro das Comunicações, Hélio Costa, chegou a declarar que a TV Digital vai chegar, do ponto de vista geográfico, aonde a universidade não chegou. Por outro lado, Fredric Michael Litto, presidente da Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância), disse em entrevista ao Universia não acreditar que a TV Digital vá fazer uma grande mudança na educação.

"Acredito que a tecnologia que temos disponibiliza um arcabouço de ferramentas enorme. Vai depender muito da criatividade dos produtores para poder colocar isso à disposição do telespectador. Acredito que a TV Digital é uma ferramenta bastante interessante sim para a educação. Agora, é claro, não sei se as emissoras vão ter interesse de colocar esse tipo de programação", aposta Cardoso. Zuffo concorda que a funcionalidade da TV Digital para EaD depende muito da formulação de conteúdo adequado. "Todos os recursos oferecidos pela EaD na forma do computador poderão ser sim oferecidos na forma da TV. A tecnologia está à disposição. Nossa grande dificuldade, como foi a internet no passado, é como isso vai ser explorado", completa Zuffo.

Fonte: Universia

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