Conteúdo sob demanda ganha impulso com IPTV, TV digital e novos serviços
via internet e celular.
Uma nova etapa da disputa do mercado de comunicações e entretenimento começa a decolar efetivamente no Brasil este ano, com a entrada em operação das primeiras plataformas em IPTV das operadoras fixas e a chegada da TV digital, além da oferta de serviços mais avançados de web TV e da ampliação do conteúdo de streaming de vídeo pelo celular. A implantação comercial de novas tecnologias de distribuição não-linear de vídeo promete não apenas revirar conceitos predominantes por décadas quanto aos hábitos de assistir TV, como também consolidar de vez a convergência de players de telecomunicações e tradicionais distribuidores de entretenimento em uma mesma arena.
“A tendência mais provável é de que as tecnologias coexistam e se complementem”, prevê Paulyne Jucá, engenheira de sistemas do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (Cesar). Segundo ela, da forma como todos os sistemas evoluem, o consumidor terá à disposição em breve um leque amplo de opções de conteúdo com qualidades de exibição comparáveis entre si. Até mesmo as atuais TVs abertas, com as transmissões digitais previstas a partir de dezembro, em São Paulo, devem entrar na briga, com o uso de decodificadores (set-top boxes) capacitados a armazenar a programação para ser vista quando o telespectador desejar.
Entre as empresas com o apetite mais voraz, o destaque fica com as teles. A implantação comercial do serviço de IPTV já é realidade no Brasil desde o dia 26 de setembro último, com o lançamento aos assinantes de Brasília do serviço Videon, pela Brasil Telecom (BrT), com 500 horas de programação gratuita e acesso pago a conteúdos específicos.
A Oi, por sua vez, deve também ingressar na distribuição de conteúdo via IPTV até o final do ano, em princípio para dez bairros da zona Sul carioca, enquanto a Telefônica admite apenas que tem realizado estudos para adotar tecnologia em sua área de concessão (Estado de São Paulo), a exemplo do que já faz na Espanha.
A investida das teles na área de conteúdo deve restringir-se inicialmente ao video-on-demand, ou à oferta de conteúdo audiovisual sob demanda a partir de linhas dedicadas de banda larga, em ADSL, de um set-top box para decodificação dos sinais. Porém, mais do que a simples abertura de uma nova frente de negócios, embora envolva a cobrança adicional de assinatura e de aluguel de filmes, o IPTV tem a finalidade sobretudo estratégica para as teles brasileiras. Trata-se de uma resposta ao avanço de triple-players oriundos do segmento de TV a cabo, como a Net, que além de TV por assinatura agora oferecem pacotes completos, incluindo voz e dados, atributos antes exclusivos das teles.
A expectativa fundamental das operadoras fixas é fincar o pé na área de conteúdo agora para depois competir em condições igualitárias com as empresas que englobam operações de TV por assinatura, assim que conseguirem a derrubada de restrições legislatórias que as impedem de oferecer a distribuição de canais pagos. “Se olharmos para onde a tecnologia vai, a videocomunicação é um caminho natural das teles. Como todos os investimentos feitos por elas para levar a banda larga às residências, o vídeo tem um custo marginal”, diz Carlos Watanabe, diretor de videocomunicação da BrT. Segundo ele, contudo, o serviço on demand só se torna mais rentável quando somado à oferta de TV por assinatura.
Vale lembrar que além dos projetos em IPTV, as teles também se movimentam em aquisições na área de TV por assinatura. Enquanto a Oi ainda espera sinal verde da Anatel para adquirir a operadora de TV a cabo Way Brasil, a Telefônica aguarda a liberação no âmbito concorrencial da aquisição do controle da TVA.
A oferta de IPTV também se insere na estratégia de expansão dos serviços de banda larga em geral pelas teles. Entre os quais, serviços convergentes com outras plataformas, como telefonia móvel e internet. “Os serviços de IPTV, como o video-on-demand, comércio via televisão, entre outros, irão preencher as lacunas existentes nos serviços atuais, sem necessariamente substituí-los”, diz José Luis Volpini, diretor de novos negócios da Oi. Como ele observa, a penetração do acesso à internet em banda larga, em que é baseado o IPTV, é atualmente superior à da TV por assinatura. “Até o segundo trimestre de 2007, havia 6,5 milhões de usuários de banda larga no Brasil, enquanto a TV por assinatura tinha 4,9 milhões de assinantes no mesmo período”, compara. A estratégia inicial da companhia é oferecer cerca de 300 títulos diferentes.
Outras plataformas
A TV 2.0 tende a ganhar força também por meio dos computadores pessoais, que começam a unir o hábito já amplamente assimilado entre internautas de acesso a programação on-line de vídeo a serviços de maior resolução de imagens e melhor qualidade de execução do conteúdo. Foi nesta linha que o portal Terra lançou em setembro último o Terra TV HD, versão de alta definição do Terra TV, baseada na tecnologia Silverlight 1.0 da Microsoft.
Com a novidade, o conteúdo entregue pela web TV do Terra pode ser executado em tela cheia do microcomputador e qualidade de imagem semelhante à do DVD. Mas isso não significa necessariamente a entrada da internet na mesma raia de competição com outros meios televisivos, como diz Paulo Castro, diretor geral do Terra TV. “O enfoque da web TV na nossa visão não se confunde com o IPTV, nem com a TV cabo. Envolve antes de tudo a interatividade, a colagem e a composição entre o conteúdo tradicional de internet com conteúdo de vídeo mais inovador”, afirma ele.
Como observa Castro, desde 2000 o portal vem investindo mais na oferta de atrações em banda larga, em sintonia com a expansão da rede de acesso rápido à web. Segundo o executivo, mais de 70% dos acessos ao portal atualmente já são feitos por banda larga.
Com a mudança de perfil dos usuários, o padrão dos vídeos de três a quatro minutos, típicos da primeira fase dos vídeos pela internet, já foi rompido e o internauta hoje acessa atrações de mais de 20 minutos. A evolução da web TV também caminha para tornar corriqueira a exibição de longas via computadores pessoais, sendo que o próprio Terra já pretende lançar títulos deste gênero, com conteúdo pago, na mesma janela de DVDs para locação. “O Terra TV HD deve voltar-se para conteúdos para audiências mais passivas, enquanto o Terra TV no formato que já existia vai manter programação com mais interatividade”, explica Castro. Dessa forma, a remuneração da web TV do Terra tenderá a manter-se apoiada essencialmente em publicidade e patrocínio, por meio de bunners ou inserções de vinhetas e comerciais.
Baseada em computador pessoal, meio normalmente mais rico em recursos de interatividade do que set-top boxes, a web TV sempre estará à frente de outras plataformas de video-on-demand no que diz respeito a novas formas de conteúdo e inovações tecnológicas, prevê Castro. Além disto, é a mídia com maior flexibilidade de conteúdo, prestando-se melhor inclusive a acomodar produções alternativas amadoras ou semiprofissionais, dentro da tendência crescente do conteúdo participativo da web 2.0.
Instrumentos de inclusão
A telefonia móvel completa o conjunto de plataformas de transmissão da TV 2.0 com o principal trunfo: maior acessibilidade econômica aos aparelhos. “Por existirem mais celulares que aparelhos de TV no País, a telefonia móvel é o grande instrumento em potencial de inclusão social de conteúdo de TV on demand”, diz Alexandre Fernandes diretor de produtos e serviços da Vivo.
É fato que apenas uma parcela ainda minoritária dos cerca de 107 milhões de terminais em operação no Brasil são capazes de acessar serviços de banda larga como download e streaming de vídeo. No caso dos cerca de 30 milhões de usuários da Vivo, por exemplo, este contingente chega a 10%. Mas, mesmo assim Fernandes observa que a renovação dos aparelhos ocorre a tal velocidade que em poucos anos o número de terminais aptos a receber vídeos dobrará.
Segundo o executivo, o crescimento no volume de downloads feitos na rede da Vivo entre o ano passado e 2007 por si só indica a rápida expansão dos serviços de vídeo via celular: se durante todo o ano 2006 foram feitos 13 milhões de downloads, este ano, até agora já foram baixados 10 milhões de vídeos.
Sob a marca Vivo Play, a operadora dispõe, desde julho de 2005, de serviços de streaming e downloads de vídeo de esportes, cinema, notícias, previsão do tempo, desenhos animados e conteúdo sensual, em parceria com canais como Band News e RTP Internacional, de acesso gratuito, e Discovery, Terra, Globo, Sexy e Nickelodeon, entre outros, a custos a partir de R$ 1,50. A empresa cobra apenas pelo conteúdo, sem onerar o usuário pelo tempo de navegação e carregamento do vídeo. O modelo de negócios é basicamente de revenue share, em proporções de divisão da receita variáveis entre a operadora e fornecedora de acordo com o conteúdo.
Em comparação com outras plataformas, o conteúdo de TV para os celulares é mais limitado em termos de tempo de duração, em geral entre um e três minutos, e a atrações adequadas para as telinhas. “É preciso evitar tomadas de imagens muito abertas e de movimentos muito rápidos”, explica Fernandes.
A Vivo prepara-se para estabelecer um programa de incentivo à geração de conteúdo audiovisual pelos próprios usuários, mediante a remuneração de produções colocadas à disposição de toda a base da operadora. Pretende também fechar acordo com um importante parceiro, cuja identidade ainda não é revelada. “O conteúdo é a chave da concorrência”, diz Fernandes.
Faturamento sem limites
Quando se fala em conteúdo de TV 2.0, uma das expressões citadas com maior freqüência é a Long Tail (Cauda Longa). Cunhada pela primeira vez em 2004 na revista Wired pelo jornalista norte-americano Chris Anderson, com base no fenômeno estatístico chamado de curva de Pareto, o termo engloba as inúmeras audiências segmentadas da internet que quando somadas superam as da mídia tradicional. Na representação gráfica, esta parcela é representada por uma linha quase paralela ao eixo horizontal, semelhante a uma longa cauda.
Facilidades como a ausência de grade, espaço ilimitado para inserções de atração unidas à capacidade do usuário acessá-las como e quando quiser pelas novas plataformas de comunicações digitais devem resultar na quebra de velhos paradigmas de exibição e distribuição de conteúdo audiovisual. Na curva de Pareto, portanto, as grandes amplitudes e freqüências dos estúdios majors serão seguidas pela cauda ocupada por produtores das mais variadas origens, que não precisam prender-se a grandes escalas de exibição, nem aos formatos de duração típicos da TV e do cinema.
A regra das ilimitadas possibilidades de veiculação de conteúdo também vale para o potencial de faturamento das empresas. E não por acaso uma das estratégias das teles que lançam serviços de IPTV no Brasil é explorar a demanda por conteúdos nacionais e internacionais dos mais variados tipos e formatos, principalmente aqueles que não têm espaço na programação dos serviços atuais.
De acordo com José Luis Volpini, diretor de novos negócios da Oi, o serviço será bastante vantajoso aos produtores de conteúdo independente. “Um desses conteúdos são os curtas-metragens, cuja demanda foi trazida à tona com sites como o You Tube”, diz ele. O mesmo formato cinematográfico é destacado entre as atrações do Videon, serviço de IPTV lançado pela Brasil Telecom. “Existe uma vasta produção de curtas metragens no Brasil que no momento está engavetada por falta de canais de exibição”, diz Carlos Watanabe, diretor de videocomunicação da operadora.
Long Tail na internet
As oportunidades de Long Tail, especificamente a do conteúdo audiovisual brasileiro independente, moveram a parceria entre a empresa brasileira especializada em distribuição digital Elo Audiovisual com o Joost, serviço de origem escandinava de TV via internet, para a criação de dois canais com programação brasileira e latino-americana: o Brazilian Music Channel (em parceria também com a gravadora Trama) e o Elo Cinema Latino, com curtas e longas produzidos na América Latina. Segundo Sabrina Nudeliman, diretora da Elo, o canal de músicas brasileiro já divide com a MTV e Reuters lugar entre os mais populares do Joost.
O faturamento é garantido por patrocinadores e um modelo de revenue share com o site. Segundo Sabrina, a Elo vem realizando um trabalho de convencimento junto aos produtores nacionais para demonstrar as vantagens de aproveitar novos canais de exibição da internet e das teles. “A mentalidade dos cineastas ainda está muito voltada aos modelos de incentivo do cinema brasileiro”, observa.
O Long Tail é também a base estratégica da Jalipo, empresa de conteúdo via internet criada no Reino Unido este ano para a venda de conteúdos audiovisuais sob remuneração mediante a descarga de microcréditos previamente adquiridos por cartão de crédito. A partir de uma rede de entrega de conteúdo, em vez do peer-to-peer de outros sites de vídeo, a Jalipo oferece uma seleção de atrações ao vivo ou sob demanda, incluindo novos canais, documentários, cinema independente e eventos esportivos. Segundo o CEO da empresa, Chris Deering, o novo modelo de pagamento, semelhante ao serviços de telecomunicações pré-pagos, em que o usuário descarrega créditos correspondentes ao tempo de programação acessado, é uma forma inovadora de garantir uma base de faturamento interessante ao produtor de conteúdo. Ao mesmo tempo, assegura o acesso dos usuários a conteúdos autorizados, que não se encontram em sites abertos e bancados pela publicidade.
O pagamento por créditos deve representar também uma opção mais atraente ao usuário de serviços de video streaming que o pagamento de taxas fixas, segundo ele, semelhantes às academias de ginástica, onde se cobram mensalidades independentemente de os clientes usarem ou não suas instalações. “Os melhores clientes das academias são aqueles que pagam e nunca vão fazer ginástica”, brinca.
Fonte: Teletime
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