sábado, 15 de dezembro de 2007

O BNDES e a TV digital

Por que o governo precisa financiar equipamento de TV digital para quem quiser dispor desse serviço em casa? Não há explicação técnica que justifique a criação de uma linha de crédito de R$ 1 bilhão no BNDES para financiar a compra do conversor, equipamento sem o qual os aparelhos hoje existentes não podem sintonizar a TV digital. Se o BNDES financia o consumidor de TV, por que não financiar também o comprador de outros bens de consumo? E que sentido tem o BNDES, cuja finalidade é fomentar a modernização e a expansão da capacidade produtiva - e já tem uma linha de crédito, também de R$ 1 bilhão, para apoiar o sistema de TV digital -, passar a concorrer com os bancos privados no crédito ao consumidor?

Será que, com a iniciativa anunciada na festa de lançamento oficial da TV digital no País, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende compensar um dos efeitos negativos do padrão tecnológico pelo qual optou, que é o alto custo do equipamento? Mas o preço alto demais é apenas um dos problemas da TV digital. O sistema chega atrasado e incompleto.

O ministro Hélio Costa chegou a prometer a transmissão pelo padrão digital de jogos da Copa do Mundo de 2006. O sistema só foi inaugurado domingo, com atraso de pelo menos um ano e meio. Mas poucos espectadores da Grande São Paulo, região em que o sistema começou a operar oficialmente, puderam assistir aos programas transmitidos pelo novo sistema. A pequena audiência era previsível, por se tratar de um sistema novo e ainda caro. Mas, por causa da imprevidência e de decisões questionáveis das autoridades, ela está sendo muito mais baixa do que se previa.

O ministro das Comunicações dizia que os conversores seriam vendidos por um preço entre R$ 150 e R$ 200. Na semana passada, os aparelhos à venda nas lojas custavam de R$ 700 a mais de R$ 1 mil, dependendo da configuração. Eles são particularmente caros por causa do padrão escolhido pelo governo.

Entre três padrões disponíveis - o japonês, o americano e o europeu -, o governo escolheu o japonês, cuja utilização é menos disseminada. Ao conversor normal do padrão japonês, o governo decidiu acrescentar outras características, como a atualização da tecnologia de compressão de vídeo e um programa de interatividade desenvolvido no Brasil, que ganhou o nome de Ginga. Assim, criou-se um padrão específico para o Brasil, o que tornou impossível a importação desse equipamento, que em países que utilizam o padrão europeu custa em torno de R$ 150.

Além do preço, haveria, segundo as autoridades, duas grandes vantagens na escolha do padrão japonês. A primeira era o compromisso do Japão de investir intensamente no Brasil. Outra seria a possibilidade de o Brasil exportar conversores para países latino-americanos que adotassem o mesmo padrão. Nada disso funcionou. O preço é alto demais, os japoneses não definiram seus investimentos no Brasil e os países vizinhos estão adotando outros padrões.

Agora, o governo tenta corrigir um dos erros. O BNDES, disse o presidente Lula, “vai dar apoio à rede varejista para baratear a venda do conversor”. Assim, acredita o presidente, “a adoção da nova tecnologia será acelerada, haverá aumento da produção nacional e os preços serão menores”.

Pode ser que as coisas decorram do modo imaginado pelo presidente. Mas é preciso não esquecer que, com a linha de apoio ao comércio varejista, o BNDES entraria numa área onde o volume de crédito cresce muito depressa e já preocupa os analistas do sistema financeiro. Nos últimos cinco anos, o volume de crédito cresceu à média anual de 20%, muito mais do que a renda média da população, o que pode resultar em dificuldades de pagamento dentro de algum tempo.

Mesmo que tudo funcione da maneira esperada pelo governo, a TV digital brasileira ainda carece de três das quatro novidades prometidas. Ela oferece imagens de alta definição (cuja qualidade só é observada em televisores preparados para isso), mas ainda não oferece interatividade (serviços semelhantes aos disponíveis na internet), multiprogramação (vários programas transmitidos simultaneamente num só canal) e mobilidade (recepção de sinais de TV aberta nos aparelhos celulares).

Fonte: Estado

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